Angola está, actualmente, sob monitorização reforçada (Grey List) do GAFI/ESAAMLG, pelo facto de se terem constatado deficiências no sistema de prevenção e combate ao branqueamento de capitais, incluindo acesso às informações sobre beneficiários efectivos.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) já alertou para os riscos económicos para Angola nesse contexto, tais como custos mais altos nos financiamentos, menos investimento externo e restrições em transações internacionais.
A aprovação do Quadro Legal do Beneficiário Efectivo em Angola marca um ponto de viragem importantíssimo no sistema jurídico e económico do país, inserindo-se num movimento global de maior transparência societária, combate à corrupção, branqueamento de capitais, financiamento do terrorismo e evasão fiscal. Esta iniciativa não surge de forma isolada, mas enquadra-se no quadro normativo internacional definido pelo Grupo de Acção Financeira (GAFI/FATF), particularmente em torno da Recomendação 24 (transparência e beneficiário efectivo de pessoas colectivas) e da Recomendação 25 (transparência e beneficiário efectivo de arranjos jurídicos, como trusts e fundações).
Contextualização
A nível global, organismos como o GAFI/FATF, a OCDE e a ONU têm pressionado os Estados a adotar mecanismos de identificação dos beneficiários efectivos, pessoas singulares que, em última instância, controlam ou beneficiam de sociedades, trusts, fundações, etc.
A União Europeia e vários países africanos já implementaram legislações semelhantes, visando convergência regulatória e atração de investimento seguro.
O GAFI reforça, através do Resultado Imediato 5, que as pessoas colectivas e os arranjos jurídicos devem ser suficientemente transparentes, permitindo que as autoridades competentes consigam identificar com precisão quem são os seus beneficiários efectivos e usem essa informação em tempo útil para prevenir abusos.
Angola, como Estado-membro da SADC e do GAFI, comprometeu-se a alinhar-se com as melhores práticas internacionais. O país procura reforçar a credibilidade do sistema financeiro, melhorar a classificação em ratings internacionais e responder a exigências de compliance impostas por investidores e parceiros comerciais.
Assim, a aprovação da Lei do Beneficiário Efectivo responde diretamente à necessidade de cumprir com os padrões de transparência societária exigidos pelas Recomendações 24 e 25 do GAFI, que têm sido alvo de avaliações rigorosas nos processos de mutual evaluation.
Perspetivas do conteúdo da Lei do Beneficiário Efectivo
Ainda que haja diplomas complementares e em obediência ao guia do Beneficiário Efectivo do GAFI, espera-se que o núcleo da lei contemple:
- Conceito de beneficiário efetivo: pessoa singular que, direta ou indiretamente, detém ou controla 25% ou mais do capital/direitos de voto, ou exerce influência significativa sobre a gestão;
- Obrigatoriedade de registo: todas as sociedades comerciais, associações e fundações devem identificar e declarar os seus beneficiários efectivos;
- Criação da Central de Registo: gerida por entidade pública (nomedamente o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos ou órgãos equivalentes);
- Dever de actualização: as entidades obrigadas devem actualizar as informações em caso de alterações societárias relevantes;
- Acesso à informação: autoridades de supervisão (UIF, Administração Geral Tributária, Banco Nacional de Angola) terão acesso privilegiado e, em alguns casos, poderá haver acesso público parcial;
- Sanções: multas, suspensão de actividades ou impossibilidade de participar em concursos públicos para quem não cumprir.
Impactos
- Transparência societária: redução do uso de “testas-de-ferro” e estruturas opacas;
- Reforço da confiança internacional: Angola alinha-se com padrões de compliance exigidos por investidores estrangeiros;
- Combate à corrupção e branqueamento de capitais: maior rastreabilidade de fluxos financeiros;
- Desafios práticos: resistência de alguns agentes económicos, dificuldades tecnológicas na implementação do registo central e necessidade de capacitação técnica.
Perspectiva
A médio prazo, a Central de Registo de Beneficiário Efectivo poderá interligar-se com o Guiché Único da Empresa e com bases de dados fiscais, judiciais e bancárias.
Angola pode vir a adoptar ferramentas digitais de blockchain e identidade digital para garantir maior fiabilidade.
O cumprimento rigoroso desta lei será um factor-chave para atrair investimento estrangeiro directo e para o reposicionamento de Angola nos índices internacionais de boa governança.
Integração com o GAFI
- Recomendação 24: exige que os países garantam a transparência e disponibilidade de informação precisa sobre o beneficiário efectivo das pessoas colectivas, prevenindo que estas sejam usadas para fins ilícitos.
- Recomendação 25: estende o mesmo princípio aos arranjos jurídicos (como trusts, fundações e equivalentes), para que a opacidade não seja transferida para outros veículos jurídicos.
- Resultado Imediato 5: avalia se, na prática, as autoridades competentes conseguem aceder em tempo útil a informação adequada, precisa e actual sobre beneficiários efectivos, e se essa informação é usada eficazmente para fins de prevenção e combate ao crime financeiro.
Principais consequências da não implementação
A não implementação efectiva desta lei pode gerar diversas consequências legais, económicas, reputacionais e institucionais para Angola, para entidades privadas e para autoridades públicas. Entre as principais, destacam-se:
- Penalidades legais para entidades e responsáveis individuais
- Empresas que não identifiquem ou registem os beneficiários efectivos ficam sujeitas a sanções administrativas: multas, impedimentos em registos, licenciamento ou contratos públicos.
- Responsáveis legais ou gestores podem incorrer em responsabilização civil e até penal, sobretudo se houver ocultação associada a ilícitos.
- Instituições financeiras que não verifiquem beneficiários efectivos arriscam sanções regulatórias pelo Banco Nacional de Angola.
- Deterioração da confiança de investidores e parceiros comerciais
- A falta de clareza sobre quem controla empresas pode afastar investimentos estrangeiros.
- Dificuldades acrescidas na due diligence de investidores e bancos correspondentes.
- Risco de inclusão ou permanência em listas internacionais (Grey List do GAFI/ESAAMLG)
- Maior escrutínio internacional e restrições no sistema financeiro.
- Custos acrescidos em financiamentos e menor acesso a crédito externo.
- Impactos económicos directos
- Aumento do custo de operações financeiras devido a due diligence reforçada.
- Possível limitação no acesso a operações cambiais e financeiras internacionais.
- Vulnerabilidade ao crime financeiro
- Maior risco de branqueamento de capitais, financiamento ao terrorismo e fraude.
- Dificuldades na investigação e aplicação de sanções pelas autoridades.
- Reputação internacional e nacional prejudicada
- Percepção de fragilidade institucional e de risco elevado de corrupção.
- Impactos sobre o rating-país, turismo, cooperação e confiança internacional.
- Consequências internas: baixa eficiência do sistema jurídico e institucional
- Dificuldades acrescidas para autoridades regulatórias, UIF e Ministério Público no exercício das suas funções.
- Custos administrativos e judiciais mais elevados para apurar controlo societário real.
- Insegurança jurídica e litígios sobre a titularidade e responsabilidade empresarial.
A implementação efectiva da Lei do Beneficiário Efectivo representará um marco decisivo para Angola. Mais do que uma exigência internacional, trata-se de uma oportunidade de fortalecer a confiança no sistema jurídico e financeiro, garantir maior integridade no tecido empresarial e reposicionar o país como destino seguro e competitivo para o investimento estrangeiro. O sucesso desta reforma dependerá da capacidade de adaptação das instituições e dos agentes económicos, mas os ganhos em credibilidade, transparência e desenvolvimento sustentável justificam plenamente o esforço
Aos 18 de Set de 2025